TRECHO DO ESPETÁCULO, por Ludmila Rosa


Eu queria fazer um espetáculo simples;
Eu queria fazer um espetáculo que falasse diretamente com a platéia;
Eu queria fazer um espetáculo onde ator e personagem se confundissem o tempo todo;
Eu queria fazer um espetáculo que se passasse numa esquina qualquer, uma encruzilhada, um lugar de ninguém;
Eu queria fazer um espetáculo que falasse do passado - fazendo uma ponte com o presente, e do presente - fazendo uma ponte com o futuro;
Eu queria fazer um espetáculo que falasse da desilusão; da solidão; da sensação de estar só, mesmo quando a gente está rodeado de gente;










Eu queria fazer um espetáculo que eu pudesse ficar no lugar da platéia e a platéia pudesse estar no meu lugar, ao mesmo tempo;
Eu queria fazer um espetáculo que fosse político, poético e existencial;
Eu queria fazer um espetáculo que a platéia saísse do teatro e tivesse vontade de viver;
Eu queria fazer um espetáculo que as pessoas saíssem do teatro e repensassem suas vidas e pudessem mudar tudo em um segundo;
Eu queria fazer um espetáculo para que eu fosse amada, reconhecida, aceita, que eu fosse aplaudida de pé, durante oito minutos;
Eu queria fazer um espetáculo definitivo;
Eu queria fazer um espetáculo contraditório;
Eu queria fazer um espetáculo que a platéia saísse do teatro e não fosse comer pizza;
Eu queria fazer um espetáculo que tivesse uma luz muito forte que quase me cegasse;
Eu queria fazer um espetáculo cheio de erros, todo torto;
Eu queria fazer um espetáculo que fosse ao mesmo tempo apolíneo e dionisíaco;
Eu queria fazer um espetáculo que eu ficasse nua, transparente, que a platéia pudesse se ver através de mim, além de mim;
Eu queria fazer um espetáculo que eu ficasse invisível;









Eu queria fazer um espetáculo que os meus amigos fossem encontrar comigo depois no camarim e falassem a verdade... mas com muito amor;
Eu queria fazer um espetáculo que levasse a platéia as lágrimas;
Eu queria fazer um espetáculo que tivesse uma mulher caída com sangue escorrendo pela boca e as vísceras aparecendo;
Eu queria fazer um espetáculo que acabasse com o sentimentalismo;
Eu queria fazer um espetáculo que reconstituísse a camada de ozônio, que despoluisse o Rio Tietê;
Eu queria fazer um espetáculo que eu ficasse perdida, sem nunca saber como continuar;
Eu queria fazer um espetáculo que não tivesse nem princípio, nem meio, nem fim;
Eu queria fazer um espetáculo que mudasse o curso da história;
Eu queria fazer um espetáculo que eu ficasse muito rica;
Eu queria fazer um espetáculo revolucionário;
Eu queria fazer um espetáculo impossível, que fosse uma ilusão, que não existisse.